sexta-feira, 4 de novembro de 2016

A alma-mater do Fida

Clara Pinto ao lado de um inspirado retrato a óleo
Foto: Maurette Brandt

Clara Pinto é, seguramente, uma das principais personalidades do Pará, quando o assunto é cultura. Bailarina, coreógrafa, mâitre de ballet, Rainha dos Artistas, Miss Pará, enredo da Escola de Samba Império Pedreirense... e, como se não bastasse, o espírito criador que deu vida ao Festival Internacional de Dança da Amazônia, há exatos 23 anos.

Pode-se dizer que Clara Pinto nasceu com a arte acoplada. Desde as declamações da infância à sua iniciação no ballet, aos 13 anos, eram notórios os seus dons artísticos. Pioneira em tempos preconceituosos, foi a primeira jovem da sociedade a dançar regularmente na televisão. Professora de ballet desde a adolescência, tornou-se a primeira grande empreendedora da dança em Belém - e a primeira a trazer para a cidade o consagrado método da Royal Academy of Dance, de Londres, como diretriz do ensino em suas escolas de dança.

Em 1994, resolveu se encher de coragem e realizou o sonho que alimentava há muito tempo: criar um festival de dança de fôlego no Norte do país. Acostumada que estava a viajar e participar de vários festivais pelo Brasil, como o do Conselho Brasileiro da Dança (CBDD) no Rio, o Festival de Joinville, Bento in Dança (em Bento Gonçalves/RS) e outros, Clara sempre acreditou que os talentos de sua terra mereciam um festival em que pudessem não só mostrar sua arte, mas também se aperfeiçoar com professores do Brasil e do exterior.

Clara Pinto tinha consciência de que o lendário Theatro da Paz, com sua majestade arquitetônica e fantástica acústica, era o palco ideal para realizar o Festival. Arriscou-se pelo sonho, foi e fez - e colheu, em troca, o sucesso absoluto. Ninguém jamais tinha visto coisa igual em Belém. Artistas nacionais e internacionais, lado a lado com os valores da terra, povoaram o palco com sua magia e talento. Com sua fiel equipe de profissionais, garantiu um evento à altura dos mais importantes do país.

Desde então, Clara não parou mais. O Fida foi o caminho para garantir um fluxo regular de artistas e profissionais da dança para a região amazônica, coisa que antes não havia. Além dos espetáculos noturnos, que mesclam artistas convidados com os grupos e bailarinos de Belém, de várias outras cidades do Pará, de outros estados do Norte-Nordeste e até de países vizinhos, como o Suriname, Clara Pinto instituiu uma série de concursos em várias modalidades de dança e também oficinas com profissionais de ponta, para que os bailarinos e alunos de dança pudessem se atualizar todos os anos. 

Criou também apresentações paralelas em diversos espaços da cidade, como shopping centers, o Teatro da Estação Gasômetro e outros. O Palco Livre, que reuniu até 2014 milhares de bailarinos de diversas escolas de dança na Praça da República, era um acontecimento tradicional e esperado na manhã de domingo, o último dia do Fida. E fazia mais sucesso que a feirinha de artesanato que acontece no mesmo local aos domingos. O projeto só foi interrompido por falta de apoio do poder público, mas, se depender dela, pode voltar a acontecer a qualquer momento.

Esse nível de democratização de oportunidades, de abertura de espaços e também de portas - sim, porque o Fida é uma grande vitrine para artistas locais e convidados, frequentado por "olheiros" de vários estados próximos - é uma enorme conquista, fruto dos anos de trabalho, dedicação, empenho, teimosia no bom sentido e de uma crença inabalável no presente e no futuro da dança.

Reconhecida na rua, homenageada por onde passa, Clara Pinto é muito mais que um nome que impõe respeito. É uma verdadeira lenda viva de Belém - que, com sua simplicidade e carisma, compra paçoca e farinha de castanha na carrocinha para comer na rua, senta em qualquer lugar para bater papo e está sempre pronta para conhecer gente.

Ajudar, aprendeu com sua mãe. A casa vivia sempre cheia de pessoas que chegavam em busca de algum auxílio, moral ou material, e acabavam ficando. Fiel à tradição da família, Clara está sempre aberta para receber e apoiar bailarinos, aspirantes a bailarinos, grupos de fora que têm dificuldade para chegar a Belém - enfim, quem quer que seja, dançando ou não.

Essa versatilidade e sua pertinácia em defender a Dança estão nas raízes do Fida, um festival consolidado e consistente, que recebe e multiplica a arte da dança - e que não é apenas uma data no calendário, duas semanas depois do Círio de Nazaré; é, antes, uma parte do milagre salvador da arte, que apaixona quem quer que venha dançar, ensinar, assistir ou comentar. 

O Fida é um legado para Belém e para todo o Norte brasileiro - e reflete, em sua essência, os valores intrínsecos que Clara Pinto vem cultivando ao longo da vida: amor à arte, amor à dança e a crença de que é possível tornar real um grande sonho, se for verdadeiro e para o bem maior de todas as pessoas.


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